Julio Plaza
Maio de 2.000
Resumo: Análise dos principais
conceitos e interfaces teóricas que conduzem à compreensão das relações
autor-obra-receptor e à arte interativa. A abertura da obra de arte à recepção,
relacionada necessariamente às três fases produtivas da arte: a obra artesanal
(imagens de primeira geração), industrial (imagens de segunda geração) e
eletro-eletrônica (imagens de terceira geração), detona vários graus para a
interpretação. A Obra Aberta se identifica com a "abertura de primeiro
grau" pois remete à polissemia, à ambiguidade, à multiplicidade de
leituras e à riqueza de sentido.
Já a "abertura de segundo grau" da obra, se identifica
com as alterações estruturais e temáticas que incorporam o espectador de forma
mais ou menos radical. Trata-se da chamada "arte de participação"
onde processos de manipulação e interação física com a obra, acrescentam atos
de liberdade sobre a mesma.
Agora, com os processos promovidos pela Interatividade tecnológica,
na relação homem-máquina, postula-se a "abertura de terceiro grau".
Esta abertura, mediada por interfaces técnicas, coloca a intervenção da máquina
como novo e decisivo agente de instauração estética, própria das Imagens de
Terceira Geração.
Pensar a arte interativa dentro do contexto das Novas Tecnologias
da Comunicação, como uma nova categoria de arte, requer um mergulho na história
recente, à vista da expansão das noções de arte, de criação e também de
estética. Além disso, no decorrer deste século, verifica-se um deslocamento das
funções instauradoras (a poética do artista) para as funções da sensibilidade
receptora (estética), o que produz no meio artístico uma grande confusão
conceitual caracterizada, ainda, pela mistura e hibridação de gêneros, poéticas
e atitudes artísticas.
Por outro lado, a compreensão dos novos meios costuma-se fazer
apartir de metáforas e conceitos de tecnologias anteriores. No caso das NTC,
expressões de origem náutica como navegar, piratear, redes, imergir, cibernauta
etc. etc., são utilizadas enquanto não aparecem outras. Mas a inversa resulta
gratuita e falaciosa, expressões como "interatividade",
"interação", "tempo real", "virtual", etc.,
quando utilizadas metaforicamente, no campo da arte em geral, projetam conceitos
fora de contexto e criam efeitos sem causa.
O tema da "recepção" percorre quase todo o século XX. M.
Duchamp já afirmara que "é o espectador que faz a obra" e, "a
arte nada tem a ver com democracia", o que indica uma preocupação com a
recepção. Anteriormente, Isidore Ducasse, conde de Lautréamont escreveu:
"a poesia deve ser feita por todos, não por um". Para os simbolistas,
o princípio estético da sugestão era fundamental, Mallarmé: "Nomear um
objeto é suprimir três quartas partes do gozo de um poema". E Paul Valéry:
"Não há um verdadeiro sentido para um texto".
Para L. Ferrara (1981) "A participação do receptor –aviltada,
desejada, repelida, solicitada, estimulada, exigida- é tônica que perpassa os
manifestos da arte moderna em todos os seus momentos e caracteriza a
necessidade de justificar a sua especificidade".
Quando, em 1922, Moholy Nagy decide "pintar" um quadro
por telefone, inaugura-se, de forma pioneira, o universo da
"interatividade". Posteriormente, Bertold Brecht (1932) pensava a
interatividade dos meios de comunicação numa sociedade democrática e plural.
Entretanto, é necessário fazer um levantamento conceitual das interfaces,
tendências e dispositivos que se situam na linha de raciocínio da inclusão do
espectador na obra de arte, que - ao que tudo indica - segue esta linha de
percurso: participação passiva
(contemplação, percepção, imaginação, evocação, etc.), participação ativa
(exploração, manipulação do objeto artístico, intervenção, modificação da obra
pelo espectador), participação perceptiva (arte cinética) e interatividade,
como relação recíproca entre o usuário e um sistema inteligente. Esta fortuna
crítica é fundamental, visto que a história reaparece sob o formato virtual.
A
abertura de primeiro grau
Nos anos vinte e no campo dos estudos da linguagem, a obra de
Mikhail Bakhtin (1979) inaugura o dialogismo: "todo signo resulta de um
consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de
interação (…) que "não deve ser dissociado da sua realidade material, das
formas concretas da comunicação social". Para Mikhail Bakhtin, a primeira
condição da intertextualidade é que as obras se dêem por inacabadas, isto é,
que permitam e peçam para ser prosseguidas. O "inacabamento de
princípio" e a "abertura dialógica" são sinônimos. O conceito
bakhtiniano de "intertextualidade" que estende o dialogismo à
literatura e a todas as artes (intervisualidade, intermusicalidade,
intersemioticidade) prenuncia avant la
lettre o conceito de "hipertexto". O que caracteriza a intertextualidade
é, precisamente, a introdução de um novo modo de leitura que faz estalar a
linearidade do texto. Sejam quais forem os textos assinalados, o estatuto do
discurso intertextual é comparável ao de uma super-palavra, na medida que os
constituintes deste discurso já não são palavras e sim coisas já ditas,
organizadas, fragmentos textuais. A intertextualidade fala uma língua cujo
vocabulário é a soma dos textos existentes.
Entre as décadas de vinte e trinta surge a teoria das
"Funções da Linguagem" de Roman Jakobson, membro do Círculo
Linguístico de Praga, onde o autor dá início ao estudo funcional da linguagem
partindo da distinção entre a função de comunicação das linguagens prática e
emotiva, que é caracterizada por sua orientação para o significado, e a função
poética, que se exprime pela orientação para o signo com o tal. Esta teoria,
associada ao modelo de Karl Bühler que desenvolve a sua concepção a partir do
tríplice caráter instrumental da linguagem partindo de seus fundamentos na
situação comunicativa: o remetente, o destinatário e o discurso, permite
estabelecer e precisar os usos e funções das linguagens verbais e também as
não-verbais.
É a partir dos anos cinqüenta que se constituem, no campo da arte,
tendências que traduzem e antecipam as mudanças produzidas pelas tecnologias.
De uma parte, o artista se interessa por uma nova forma de comunicação em
ruptura com o contexto mass-mediático e unidirecional, uma tendência que
procura a participação do espectador para a elaboração da obra de arte,
modificando, assim, o estatuto desta e do autor. Por outro lado, a tendência
que insiste mais na produção que no produto e tenta, portanto, desconstruir o
processo criativo. Assim, a teoria associada com as tecnologias da comunicação
permite aos artistas tornar perceptíveis os três momentos da comunicação
artística: a emissão da mensagem, sua transmissão e sua recepção.
Na arte visual, a afirmação de A. Malraux (1951) , segundo a qual
a obra de arte não é criada a partir da visão do artista, mas a partir de
outras obras, já permite perceber o fenômeno da intervisualidade como processo
de construção, de reprodução ou de transformação de modelos. Já o conceito de
"Museu Imaginário" do mesmo autor, incorpora a recepção pelo viés da
reprodutibilidade fotográfica, toda vez que esta tecnologia permite criar
museus individuais a partir de cópias das obras de arte.
Na teoria da Obra Aberta (Eco, 1962), o autor define a arte como
"uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados em
um só significante". Este conceito de obra de arte inaugura a chamada
"abertura de primeiro grau". Por outro lado, a noção de poética como
programa operacional proposto pelo artista corresponde ao projeto de formação
de determinada obra. Os graus de abertura da obra servirão para equacionar a
participação.
Entre nós, "A Arte no Horizonte do Provável" (1963) de
Haroldo de Campos, é um texto precursor e contemporâneo da "Opera
Aperta" de Eco que expõe a problemática do "probabilismo integrado na
fatura mesma da obra de arte, como elemento desejado de sua composição".
Mais precisamente, "A Obra de Arte Aberta" de Haroldo de Campos
(1955) é um texto seminal que manifesta a problemática da abertura estética, na
época também acolhida pelo pensamento do músico Pierre Boulez: "Não estou
interessado na obra fechada, de tipo diamante, mas na obra aberta, como um
barroco moderno".
As primeiras obras efetuadas com o computador obedecem ao conceito
de "arte permutacional" e são, na sua grande maioria,
não-figurativas. Este conceito ou síntese teórica exposta por A. Moles no seu
"Manifesto da arte permutacional" (1962) revela a noção de permutação
poética, ou plástica, caracterizada pela consciência do jogo e de suas regras
para a exploração do "campo dos possíveis". Para Moles, "A arte
permutacional está inscrita qual marca de água na era tecnológica".
As estruturas combinatórias, manipuláveis, como o poema de Raymond
Queneau "Cent Mille Milliards de Poèmes" (1961), também obedecem ao
conceito de literatura potencial mas que, na realidade, está inscrito na arte
permutacional.
Na poesia concreta brasileira do grupo Noigandres (1953-56), o
problema da obra de arte aberta se colocou não apenas teoricamente. A matriz
aberta de muitos poemas concretos permitia vários percursos de leitura, na
horizontal e vertical, possibilitando o combinatório e o permutacional como em
"solitário/solidário" (1959) de Ronaldo Azeredo e o poema
"acaso" (1963) de Augusto de Campos.
Surge a "poesia de participação": "petróleo"
de José Lino Grünewald (1957); "cubagramma" de Augusto de Campos
(1960-62); "estela cubana" de Décio Pignatari (1960-62);
"popcreto para um popcrítico" de W. Cordeiro (1964); e os
"poemas semióticos" (Luiz A. Pinto e D. Pignatari, 1964), onde uma
chave verbal mínima introduz e encoraja uma expressão do leitor.
Surge também a "poesia de processo" (W. Dias Pino,
1967): "Abertura à participação como integração / poema:objeto
físico". "Processo: manipulação + desencadeamento de invenções".
(…) "Não se busca o definitivo, nem ‘bom’ nem ‘ruim’, porém opção. Opção:
arte dependendo de participação, O provisório: o relativo. Ato: sensação de
comunicação, contra o contemplativo".
Na década de cinqüenta, Max Bense (1972) dá início à chamada
"Estética Gerativa" como arte criada a partir de processos
aleatórios, que se utilizam do computador para gerar imagens que são produtos
das relações ordem/desordem de um dado repertório e simulam processos
relacionados à criatividade, ao pensamento visual e também aos processos
naturais de crescimento. Cabe assinalar, também, a teoria do "texto
artificial" (Poesia Natural e Poesia Artificial, 1964), do mesmo autor,
realizada através de processos informáticos. O texto sintético é investigado
por Bense através da semiótica peirceana e seu sistema triádico, isto é, como
referência de meio, de objeto e de interpretante. Esta teoria sugere pontos de
conexão com a problemática da interatividade, precisamente através da noção
semiótica de interpretante ou significado.
No final dos anos sessenta e no campo da literatura, os estudos de
alguns teóricos da escola de Konstanz (Jauss, Iser, entre outros), criam a
Estética da Recepção onde concluem que os atos de leitura e recepção pressupõem
interpretações diferenciadas e atos criativos que convertem a figura do receptor
em co-criador.
Na Teoria da recepção "nenhum texto diz apenas aquilo
que desejava dizer" e " o sujeito da produção e o sujeito da recepção
não são pensáveis como sujeitos isolados, mas apenas como social e
culturalmente mediados, como sujeitos ‘transubjetivos’".
Estas teorias traduzem, assim, as inquietações de determinada
época, e se inserem nas questões colocadas atualmente pela interatividade, com
o desenvolvimento acelerado das tecnologias informáticas no que diz respeito à
economia simbólica da sociedade e não somente como preocupação dos artistas.
A teoria da criatividade (A. Moles-Wallas, 1971), explicitada nas
fases projeto, informação, incubação, iluminação, formulação e comunicação,
coloca questões relativas a uma arte concebida como projeto a ser produzido e
como processo criativo de pesquisa acelerando a arte experimental.
Por outro lado, as questões teóricas relativas à poética da
tradução, nos campos da poesia e literatura, onde "traduzir é a maneira
mais atenta de ler", encontram em Haroldo de Campos (Da Tradução como
Criação e como Crítica,1962) seu teórico mais lúcido. Para este autor, a
congenialidade entre autor e leitor se vivifica pela recriação ou criação
paralela, ou seja, traduzir é transcriar.
Na mesma trilha da tradução como forma de arte e, entre as
diversas artes, está a Tradução Intersemiótica (Plaza, 1987), onde o autor, nas
palavras de Eduardo Peñuela Cañizal "abala os cimentos de uma teoria tão
sólida como a de E. Benveniste, já que fica provado que não só os sistemas
verbais são interpretantes, mas também os sistemas semióticos não-verbais,
relegados pelo conhecido linguísta à condição de interpretados".
As questões relacionadas à abertura da obra de arte, fazem
tradicionalmente parte do Oriente (a arte Taoísta, por ex.) que sempre deu
ênfase as relações entre perceptor e percepção, entre a obra de arte e a
recepção, através de várias chaves estéticas como: resonância, ritmo vital,
reticência e vazio. Estas chaves foram incorporadas ao Ocidente pelas
vanguardas. A chave da harmonia estética ou resonância, que o Ocidente chama de
empatia vem dada pelo isomorfismo recíproco (similaridade de estrutura) entre
perceptor e percebido.
Reticência e sugestão: elevar a percepção, sugerir, o que se
sugere não se deve dizer. Mallarmé: "Creio necessário que não haja mais
que alusão. Nomear um objeto é suprimir tres quartas partes do gozo de um
poema".
Ritmo vital: energia, espontaneidade, J. Pollock: "Eu não
pinto a natureza, eu sou natureza".
Vazio, na estética oriental o "vazio" não é algo para
ser preenchido (como na visão ocidental), mas algo que seria
"Gestalt" (ou unidade de percepção), manancial prenhe de potência de
onde, pela dança da energia nascem todas as formas.
Nas artes visuais se faz referência ao conceito de "intervalo"
que também não é o vazio ocidental, mas o espaço. Trata-se do
"espaço-entre" ("Ma" para a estética japonesa
–"Rarus" em latim -espaçado, poroso, esparço, intervalo) como no
Volpi das bandeiras, em Escher, Morandi e Mondrian. É Gestalt. Na arte
figurativa o intervalo se semantiza e ambigüiza. Braque: o que interessa é o
espaço entre objetos e não os objetos. Dada, Cubismo, arte e poesia concreta. É
o intervalo que possibilita a leitura do heterogêneo (do outro) e não do
homogêneo (o mesmo).
Morandi e Mondrian, são os pintores que resolvem a questão entre o
quadro-janela e o quadro-pintura. Morandi, durante toda a sua vida, pinta as
mesmas coisas: garrafas, e recipientes vazios, poucas flores, poucas paisagens.
Morandi pinta e constrói o espaço a partir do objeto, assim como Mondrian a
partir do conceito. Morandi define o espaço-entre os objetos com um espírito de
sutileza, Mondrian segundo o espírito de geometria, mas os dois com o mesmo
absoluto rigor.
A noção de intervalo, para além do sentido lato: "espaço
entre dois pontos" ou "espaço de tempo entre dois fatos", tem um
significado em Estética mais conciso. Na literatura, por ex.,
"Intervalo" significa a apreensão dos significados pela via de sua
tradução literária. O intervalo não é um vazio, é antes aquele tempo/espaço em
que a literatura aponta para outras esferas do conhecimento a partir das quais
o signo literário alcança a representação. Em suma, intervalo é interpretação
entre um texto e seus referentes.
A
abertura de segundo grau
As noções de "ambiente" e "participação do
espectador" (Popper, 1993) são propostas e poéticas típicas da década de
sesssenta. O ambiente (no sentido mais amplo do termo) é considerado como o
lugar de encontro privilegiado dos fatos físicos e psicológicos que animam nosso
universo. Ambientes artísticos acrescidos da participação do espectador
contribuem para o desaparecimento e desmaterialização da obra de arte
substituída pela situação perceptiva: a percepção como re-criação.
É com os chamados "ambientes pluriartísticos" ou
"transartísticos" que, segundo Frank Popper, o princípio de criação
coletiva cristaliza uma tendência geral em todos os países onde as criações,
meios de expressão e especialistas (teatro, dança, poesia, artes plásticas,
música, cinema, etc.) nivelam-se hierarquicamente e a transferência da
responsabilidade criativa para o público se acentua. A obra desmaterializa-se e
a atividade criativa, de forma geral, torna-se pluridisciplinar. Nos ambientes,
é o corpo do espectador e não somente seu olhar que se inscreve na obra. Na
instalação, não é importante o objeto artístico clássico, fechado em si mesmo,
mas a confrontação dramática do ambiente com o espectador.
A noção de "arte de participação" tem por objetivo
encurtar a distância entre criador e espectador. Na participação ativa o
espectador se vê inducido à manipulação e exploração do objeto artístico ou de
seu espaço.
Os conceitos de "ativo" e "passivo",
relacionados aos ambientes visuais e polisensoriais - e sem incorporar
dispositivos próprios para provocar a intervenção do espectador - levam Popper
a teorizar esses ambientes que aproximam vida e arte sob três aspectos: a)
meta-arquitetural (ambiental); b) expressivo (pessoal, individual); c) social
(participação).
Esta tendência invoca as artes: o teatro (Living Theater), a
música experimental (J. Cage, K. Stockhausen, H. Pousseur, P. Boulez), a dança
(M. Cunninham) Inclui também a obra aberta como participação de segundo grau
(manipulação de elementos plásticos – Calder, Soto, L. Clark), penetráveis
(onde o espectador penetra ou veste objetos: parangolés de Hélio Oiticica) ou
ambientes (Soto). Lygia Clark: "No meu trabalho, se o espectador não se
propõe a fazer a experiência, a obra não existe".
Com a participação lúdica e a criatividade do espectador, aparecem
os conceitos de "arte para todos" e "do it yourself": Com a
participação ativa que inclui o acaso, como nos happenings (criação e desenvolvimento em aberto pelo público, sem
começo, meio e fins estruturados – J. Cage, A. Kapprow, Grupo Fluxus),
radicaliza-se este tipo de arte.
Mas é com a criação de obras totais anônimas e comunitárias que os
Situacionistas (cujo modelo é o homo
ludens) radicalizam ainda mais a questão: "Contra o espectáculo, a
cultura situacionista realizada introduz a participação total. Contra a arte
conservada, é uma organização do momento vivido, diretamente. Contra a arte
parcelada, será uma prática global que se dirija ao mesmo tempo a todos os
elementos utilizáveis. Tende naturalmente a uma produção coletiva e, sem
dúvida, anônima e sem mercadorias artísticas" (…) "Contra a arte
unilateral, a cultura situacionista será uma arte do diálogo, uma arte da
interação. Os artistas, tem estado totalmente separados entre eles pela
concorrência". (…) "O papel do situacionista será de
amador-profissional, de antiespecialista até o momento de abundância econômica
e mental, em que todo o mundo se convertirá em ‘artista’, num sentido que os
artistas não alcançaram: a construção de sua própria vida". (Manifesto da
Internacional Situacionista, 1960).
A "participação do espectador" caracteriza-se por um
abandono progressivo do primeiro conceito (de cunho mais ético e político), e
sua transformação gradativa pela Op-art e a arte Cinética pelo campo da
percepção (Yacob Agam) e, posteriormente, pela holografia e o raio LASER, que
acentuam o lado perceptivo, já que, ele se constitui em elemento central dos
dispositivos tecnológicos bem como dos processos artísticos.
No meio brasileiro, e para além do debate estético, concreto versus neo-concreto (típico dos anos
cinqüenta), cabe destacar o caráter de abertura de primeiro grau na poesia e na
arte concretas, cabe assinalar também a abertura em prospectiva do concretismo
na previsão dos novos campos tecnológicos que estão-se desenhando e consubstanciando
no atual horizonte multimidiático, isto, com Waldemar Cordeiro à frente. Ou
seja, para o concretismo brasileiro a questão nunca foi de teologia e sim de
tecnologia pois foram os concretos que previram a máquina como agente de
instauração estética.
Já alguns neo-concretos se identificaram mais com a abertura de
segundo grau, ou seja, a chamada "arte de participação". A abertura de segundo grau não se
identifica, pois, com o caráter ambíguo da inovação, senão com as alterações
estruturais e a variedade temática (social, orgânica, psicológica) para
promover atos de liberdade dos espectadores sobre a obra que chama à
participação. Posto isto, resulta inadequado, chamar as obras de Hélio Oiticica
(ambientes penetráveis) ou mesmo de Lygia Clark (trepantes e bichos) de arte
interativa.
Pequena nota cômico-irônica: grande parte das obras expostas na IX
Bienal de São Paulo (da qual participamos -1967), dedicada dominantemente à
"arte de participação", terminaram no lixo, devido aos estragos e
excessos de participação do público. Desde então, a "arte de
participação" ficou datada no imaginário do consumidor de arte brasileiro.
Arte e
Interatividade: a abertura de terceiro grau
As relações entre arte e tecnologia, com seu caráter progressivo,
aceleram-se com as novas configurações computacionais, mas é na exposição
"Cybernetic Serendipity" (Londres, 1968), organizada por Max Bense e
Jasia Reichardt, que se expõem, pela primeira vez, obras criadas com a ajuda do
computador e onde se abre a polêmica: "pode o computador criar obras de
arte?", "As obras criadas com a ajuda da informática possuem um valor
estético?".
Posteriormente, o artigo "Art ou non-Art?", aparecido em
Dossies de l’audiovisuel (1987), recolhe uma diversidade de pontos de vista de
alguns artistas a respeito destas questões.
Jasia Reichardt escreveu que "o computador nunca produziu
algo que possa ser comparado com uma obra de arte".
Por outro lado, é conhecida a ênfase (maneirista) dada aos meios e
técnicas - mais que propriamente aos resultados - que remetem ao conceito
mcluhiano "o meio é a mensagem".
Os críticos, por sua vez, afirmam que esta forma de expressão não
proporciona mais que uma sucessão de atos e não de produtos.
Já Paul Valéry disse "uma imagem é mais que uma imagem; é,
talvez, mais que a coisa onde ela se dá".
Como defesa, Philippe Quéau nos diz "A iconografia
computadorizada anuncia-se como uma nova ferramenta de expressão artística que
dispõe de um duplo campo de investigação formal e sinestésico".
Para Edmond Couchot, está emergindo uma arte visual nova, uma arte
numérica e, por extensão, uma cultura fundada sobre o entrecruzamento do tecido
das diferenças, não somente estéticas e éticas, mas também antropológicas e
sociológicas, que não poupam pessoas nem diferenças culturais.
E Michel Serres vê na tecnologia informática "o momento de
inventar uma nova gramática para as imagens, o equivalente na música da fuga e
do contraponto".
Já para Douglas Hofstadter "o computador só fornece o que é
da ordem da sintaxe".
Gene Youngblood aponta que o computador terminará por englobar
todos os meios, todos os sistemas diferenciados de que dispomos atualmente;
fotografia, cinema e escrita funcionarão a partir de um certo código numérico.
Para Jurgen Claus, a arte eletrônico-tecnológica e mediática
constitui uma nova etapa qualitativa, comparável àquela da introdução da tela
na pintura, em todas as suas incidências econômicas, sociais e criativas.
Yoichiro Kawaguchi pensa que "é natural e evidente que a arte
tradicional e a infográfica recorrem a métodos diferenciados para perceber o
tempo e o espaço, mas se pode pensar, hoje, que virá o tempo onde a imagem e o
som infográficos vibrarão sob o mesmo diapasão de qualidade que as artes
tradicionais".
Bill Viola disse que "a verdadeira natureza da nossa relação
com o real não reside mais na impressão visual, mas nos modelos formalizados
dos objetos e o espaço que o cérebro cria a partir das sensações visuais".
E Françoise Holtz-Bonneau: "A pesquisa sobre a arte numérica
não pode estar restrita à técnica. (...) A imagem numérica chama à
"criática". (...) Entendo por ‘créatique’ uma criação artística
gerada por computador (...) onde a geração da imagem será analisada e
determinada não pelos expertos em sistemas expertos, mas pelos expertos em
imagens, considerados enfim como os especialistas da criação artística
infográfica".
Para A. Moles (1975), "A arte não é uma coisa como a ‘Vênus
de Milo’ ou o ‘Empire State Building’; é uma relação ativa do homem com as
coisas, mais-valia de vida, programação da sensualidade ou experiência de
sensualização das formas; é sempre o mesmo jogo: 'formatar' o ambiente ou ser
'formatado' por ele (...) não é mais o resultado de uma continuidade espontânea
do movimento da mão, mas uma vontade de forma...".
Estamos, portanto, diante de um universo tecnológico formidável,
problemático e complexo, fruto do esforço e da inteligência humana, e que nos
produz o sentimento estético do Sublime (Kant); nas palavras de Mário Costa
(1995), como moto de grandeza e potência fora de toda medida antropomórfica.
Neste processo progressivo é importante frisar que o artista
trabalha na contramão da teleologia tecnológica, no sentido em que ele não a
homologa enquanto produtora de mímese do real, mas na criação de outros referentes.
Os artistas tecnológicos estão mais interessados nos processos de
criação artística e de exploração estética do que na produção de obras
acabadas. Eles se interessam pela realização de obras inovadoras e
"abertas", onde a percepção, as dimensões temporais e espaciais
representam um papel decisivo na maioria das produções da arte com tecnologia.
Ao participacionismo artístico sucedem as artes interativas e a
participação pela interatividade, só que, desta vez, há a inclusão do dado
novo: a questão das interfaces técnicas com a noção de programa.
As noções de interação, interatividade e multisensorialidade
intersectam-se e retroalimentam as relações entre arte e tecnologia. A
exploração artística destes dados perceptuais, cognitivos e interativos está
começando. A arte das telecomunicações, a telepresença e mundos virtuais
partilhados, a criação compartilhada, a arte em rede (herdeira da mail-art) problematizam os câmbios
sócio-culturais relacionados com o progresso tecnológico.
A interatividade como relação recíproca entre usuários e
interfaces computacionais inteligentes, suscitada pelo artista, permite uma
comunicação criadora fundada nos princípios da sinergia, colaboração
construtiva, crítica e inovadora.
A multisensorialidade trazida pelas tecnologias é caracterizada
pelo uso de múltiplos meios, códigos e linguagens (hipermídia), que colocam
problemas e novas realidades de ordem perceptiva nas relações virtual/atual.
Os conceitos de "artista", "autor" e
"poética", a desmaterialidade da obra de arte, a recepção, as artes
de reprodução e mesmo o conceito de reprodutibilidade encontram-se, atualmente,
revolucionados. Estes fatos foram recolhidos pela exposição "Les
Immateriaux" (organizada por J.F. Lyotard no Georges Pompidou, 1985), que
enfatizava os problemas filosóficos "pós-modernos", acentuados pela
transformação do mundo material, pelos meios de massas e filtrados pelas
tecnologias onde a matéria se torna invisível, impalpável, reduzida às ondas
telemáticas.
O conceito de interatividade, viabilizado tecnologicamente por
Ivan Sutherland (1962), viria a tomar forma cultural mais definitiva com a
criação das artes da telepresença e das redes telemáticas, nos anos 80.
O termo "arte interativa" expande-se no começo dos anos
90 com a aparição das tecnologias apropriadas, ligadas ao cabo telefônico,
expostas em inúmeras feiras e exposições de arte, de tecnologia eletrônica
(Faust, França; Imagina, Mônaco, Siggraph, EUA, entre muitas outras) e eventos
relacionados ao videotexto, fax, "slow
scan" e outros meios.
No panorama europeu, as sucessivas edições do evento "Ars
Electronica" têm sido o lugar catalisador das artes e tecnologias. A
"Ars Electronica" de 1989 apresentou o tema central "A rede dos
sistemas: a arte como comunicação", com os seguintes sub-temas: a
comunicação, a interatividade e o diálogo; a função da arte no quadro destes
fenômenos de interesse social; a telecomunicação, os projetos interativos e o
tema global da cultura na era da informática. Numa outra seção, Ars Electronica
debatia um simpósio sobre "A liberação dos meios", examinando como as
tecnologias permitem aos artistas conceber obras multimídia, dando partida,
assim, a uma nova disciplina artística, fundada sobre a interação dos meios
mais diversos.
Exposições mais específicas foram realizadas, como o fórum
"Para uma cultura da interatividade?" (Cité des Sciences et de
l’Industrie de La Villette,
Paris, 1991). Na
primeira parte deste fórum foi debatida a interatividade em relação à cultura
tecnocientífica; na segunda parte, a interatividade como instrumento de criação
a serviço dos artistas. Neste evento, Jean-Louis Weissberg, sintetizou a idéia
de que, na comunicação, a visão é modificada, e que as tecnologias visuais
assistem, objetivam e intensificam os componentes abstratos das percepções
humanas. Ver, para Weissberg, não é somente um ato de recepção passivo, mas
também uma projeção. A simulação computadorizada e a imagem interativa
refletem, conceitualmente, os processos de percepção.
A Ars Electronica de 1990 tinha por tema "Sonhos numéricos –
mundos virtuais", apresentando as expressões mais recentes do imaginário
numérico: criação de realidades artificiais, universos controlados por
computador e reagindo com inteligência aos nossos desejos, imagens numéricas e
sonogramas.
A Ars Electronica de 1991, sob o título "Perda do
Controle", referia-se aos perigos da rápida tecnologização da existência
humana na modificação das relações entre indivíduos e nações, entre seres
humanos e natureza. Projetou-se, também, um espetáculo interativo que
demonstrava, por outro lado, que as técnicas de ponta podem, igualmente, servir
para detectar, evitar e combater diversas catástrofes.
No Brasil e contemporaneamente à mostra da primeira paisagem
interativa (Ilha de Carla, Nelson Max, 1983) no evento "Electra"
(Museu de Arte Moderna de Paris, 1983), acontecia a exposição "Arte pelo
telefone: Videotexto" (Museu da Imagem e do Som, São Paulo, 1982 e Bienal
Internacional de São Paulo, 1983 –Plaza, org.) que envolvia artistas com
produções relacionadas à poesia, narrativa e artes visuais, partindo dos
recursos interativos próprios do Videotexto, gerenciado, na época, pela Telesp.
Já no evento, "Sky-Art Conference" (Mac-Usp e CAVS-MIT,
São Paulo-Boston via satélite, organizado por Wagner Garcia, 1986), se
propriciam as condições para realizar interações dialógicas (utilizando-se do
sistema "Slow-Scan") entre São Paulo e Estados Unidos segundo um
modelo de interconetividade planetária.
Cabe destacar as poéticas construídas em redes, com a criação
compartilhada, concebidas por Gilbertto Prado e Karen O’Rourke em colaboração
com o grupo Art-Réseaux de Paris.
Posteriormente, inúmeras exposições utilizando o fax e
"slow-scan" como meios interativos foram realizadas. "Via
Fax" (Museu do Telefone, Rio de Janeiro) e também "Arte no Século
XXI: A Humanização das Tecnologias" (Memorial de América Latina e MAC-USP
-1995).
Para artistas da comunicação, como Fred Forest (1998), a
transmissão cultural desmaterializada provoca a emergência de uma criatividade
e inteligência coletivas e a exploração de novos espaços-tempos, uma
"dilatação e densificação" dos potenciais imaginários e sensíveis.
Para Forest, as artes relacionadas com a informática, a robótica e
as telecomunicações resumem-se a três palavras-chaves: "simulação",
"interatividade", e "tempo real". Diante das mudanças em
curso, é o momento para que a história da arte seja "revisitada". A
economia simbólica, os modos de fabricação e circulação da arte contemporânea
são, assim, afetados pelo novo contexto. O artista da comunicação e sua obra
interativa só existem pela participação efetiva do público, o que torna a noção
de "autor", conseqüentemente, mais problemática. O estado de coisas
nos conduz à absoluta necessidade de "redefinir", também, o conceito
de artista.
A materialidade da obra, sua diferença, está no novo modo de
apreensão, na sua gênese, sua estrutura aberta ao público e na
reprodutibilidade sem limites.
As artes da comunicação produzem, então, obras caracterizadas
como:
* sistema e hibridação
multimídia;
* situação de
experimentação para o receptor;
*
inscrição no espaço global da informação com todos os suportes
confundidos: Internet, redes telemáticas, etc.;
* encarnação em uma
configuração de natureza abstrata que não pode ser percebida
"visualmente" na sua totalidade;
* oferta de
possibilidades inéditas para a recepção, via-interatividade, que coloca
problemas para a noção de artista-autor.
Entende Forest que os sentidos da obra artístico-telemática são
produzidos durante o curso de um processo dialógico, lançado pelos autores,
atores co-autores (ou colaboradores) como "agentes inteligentes" da
obra. Nas artes da interatividade, portanto, o destinatário potencial torna-se
co-autor e as obras tornam-se um campo aberto a múltiplas possibilidades e
susceptíveis de desenvolvimentos imprevistos numa co-produção de sentidos. É
assim que nasce a chamada inteligência distribuída ou "coletiva".
Também, para outros artistas da comunicação, o conceito de
interatividade não se aplica somente às ciências informáticas e seus derivados
(que são capazes de simular um diálogo), mas também a uma nova forma de
apreender as comunicações. Assim, é possível falar de um lugar de encontros
fundado sobre as comunicações, graças ao qual os processos interativos se
tornam uma realidade em escala planetária. As intervenções em muitos eventos
artísticos evidenciam que a noção de interatividade serve às funções
pedagógicas, culturais e criadoras.
Para o teórico da arte-comunicação Mário Costa (1987), "A
estética da comunicação não fabrica objetos nem trabalha sobre formas; ela
tematiza o espaço-tempo". A estética da comunicação é uma estética de
eventos. O evento subtrai-se da forma e se apresenta como fluxo espaço-temporal
ou processo dinâmico do vivo.
Uma obra de arte interativa é um espaço latente e suscetível de
todos os prolongamentos sonoros, visuais e textuais. O cenário programado pode
se modificar em tempo real ou em função da resposta dos operadores. A
interatividade não é somente uma comodidade técnica e funcional; ela implica
física, psicológica e sensivelmente o espectador em uma prática de
transformação.
Também para Edmond Couchot (1998), a imagem é, pois, uma atividade
que põe em jogo as técnicas e um sujeito (artesão, artista,…) que, além de
operar com essas técnicas, possui um savoir
faire que porta um traço, voluntário ou não, de uma certa singularidade.
Como operador, este sujeito controla e manipula as técnicas, mas ele também é
"operado" por elas, é modelado pelas técnicas através das quais ele
vive uma experiência íntima que transforma a percepção que ele tem do mundo: é
a experiência "tecnestésica". As técnicas não são somente modos de
produção; são também modos de percepção do mundo. Toda técnica nova não
entranha necessariamente uma nova imagem, mas faz surgir as condições de sua
aparição.
Aliada à individualização dos usos computacionais, esta situação
vem provocar subversões nos esquemas tradicionais da comunicação ao inserir o
agente ativo (o programa) entre o usuário e a máquina; as categorias clássicas
do emissor, do receptor, da mensagem e do canal de comunicação entram em
movimento e se trançam. Neste sentido, a interatividade é um dos disfarces
possíveis do conceito de "autonomia intermediária" próprio do automatismo
informático: estabilidade do programa e multiplicidade das figuras e
cenografias que desenvolve e interpreta.
Para Roy Ascott (1991), a arte interativa designa um amplo
espectro de experiências inovadoras que se utilizam de diversos meios (sob a
forma de performances e experiências individuais em um fluxo de dados (imagens,
textos, sons), ainda com diversas estruturas, ambientes ou redes cibernéticas
adaptáveis e inteligentes de alguma forma, de tal maneira que o espectador
possa agir sobre o fluxo, modificar a estrutura, interagir com o ambiente,
percorrer a rede, participando, assim, dos atos de transformação e criação.
Uma forma de caracterizar globalmente o fenômeno seria sublinhar
que as principais tendências estéticas da arte tecnológica estão ligadas aos
conceitos e práticas da interação, da simulação e da inteligência artificial.
Roy Ascott resume: "o que nós queremos desenvolver é uma
vasta gama de atitudes, de sistemas, de estruturas e de estratégias
interessando todo nosso aparelho sensorial e engajando o espírito e as emoções
na criação de complexos ambientes multimídias de um rico potencial de
significação e de experimentação".
Gillam Thomas sublinha que o importante é o enriquecimento que
pressupõe a interatividade entre sentidos.
Para Philippe Quéau o termo "alteração" ("tornar um
outro") é mais adequado que "interação". Para este autor, o
conceito de modelo deve substituir a noção de forma, visto que os criadores de
modelos são demiurgos que criam universos simbólicos dotados de vida própria.
Isto parece coincidir com o conceito de Gilberto Prado (1997):
"as regras dos projetos de ação artística em rede permitem e solicitam a
atuação de parceiros. (…) o que existe são interações de sentidos, (…) o
artista se torna um tipo de poeta da conexão, onde cada participante se torna
um (co-) produtor. (…) trata-se de uma estrutura de participação coletiva em
transformação, uma cibercollage. (…)
Que o ‘desvio’ artístico ajude a trazer a liberdade da diferença e da escolha
através do despertar/evidenciar aquilo que temos em comum e o que temos de
diferente".
Para Pierre Lévy (1990) "Nós vivemos um desses raros
momentos, onde, partindo de uma nova configuração técnica, quer dizer, de uma
nova relação com o Cosmos, inventa-se um estilo de humanidade".
Stephen Wilson vê a arte interativa como um modo de "suscitar
uma grande floração de coisas e de expressões individuais e de acesso à
informação".
E Popper (1993) observa que "A interação é considerada um
fenômeno internacional e transnacional, acarretando numerosas formas de
engajamento cultural capazes de edificar redes de relações humanas desprovidas
de discriminação. A interatividade suscitada pelo artista permite uma
comunicação criadora fundada em atitudes construtivas, críticas e inovadoras.
Autorizando novos tipos de interações sociais, a arte tecnológica pode
igualmente se orgulhar de refletir as transformações que afetam nosso tecido
social, com todas suas contradições".
Entretanto, para Popper, o termo "interatividade" como
instrumento de criação artística, em um contexto estético, pode ser aplicado
tanto às relações entre artista e obra como relativo à realização, ou mesmo à
relação entre obra acabada e espectador, já que as intenções estéticas do
artista são inseparáveis de uma consciência clara dos processos técnicos
utilizados.
Já a relação entre interatividade, simulação e inteligência
artificial tem sido examinada por Marie-Hélène Tramus em tese de doutorado
(1990). Esta autora parte da hipótese que a interatividade pode ser considerada
como uma simulação da interação (este último termo designando as relações entre
indivíduo e realidade, interação tanto natural como artificial; no entanto, a
interatividade está referida às relações com as realidades virtuais. Tramus
entende, então, a interatividade como um processo para modificar a realidade.
Ela transforma a realidade natural (tudo que existe fora das criações humanas)
e a realidade artificial (tudo que resulta da ingeniosidade humana) em
realidades virtuais nascidas de uma simulação. Em outros termos, a
interatividade é uma simulação da interação e graças a ela o diálogo entre
realidades diferentes se torna possível.
A interatividade será, assim, um intermediário essencial, não
passivo, mas exercendo um papel transformador. Esta interface entre homem e
máquina exercendo sua função única permite a conversibilidade de um a outro,
como um código comum permite a sinergia, ou seja, a ação coordenada de vários
órgãos; aqui, no caso, o homem e a máquina. A autora parece colocar a
interatividade como um código com regras delimitadas que devem ser obedecidas
pelos interagentes, em obediência à máquina e suas interfaces. Simulação e
interatividade estão relacionadas. Simula-se para poder interagir.
Para Couchot, a simulação introduz uma nova ordem visual e
perceptual que substitui a categoria da representação. Esta relação, tal como
proposta, apresenta-se problemática, visto que, para outros autores, simulação
continua a ser representação já que ela é necessariamente referencial, e,
sobretudo, é pensamento. Contudo, Couchot parece utilizar o termo
"representação" no sentido lato, pois "a idéia de representação
envolve infinidade, uma vez que o que realmente faz a representação é o fato de
ser interpretada em outra representação; é continuidade" (Peirce, 1974).
Por outro lado, Ted Nelson (1992), considerado o inventor do termo
"hipertexto", conceitua o mesmo como conjunto de escritas associadas,
não seqüenciais, com conexões possíveis de seguir e oportunidades de leitura em
diferentes direções.
A hipermídia, pois, é uma forma combinatória e interativa da
multimídia, onde o processo de leitura é designado pela metáfora de
"navegação" dentro de um mar de textos polifônicos que se justapõem,
tangenciam e dialogam entre eles. Abertura, complexidade, imprevisibilidade e
multiplicidade são alguns dos aspectos relacionados à hipermídia. A partir do
momento em que o usuário pode interagir com o texto de forma subjetiva, existe
a possibilidade de formar sua própria teia de associações, atingindo a
construção do pensamento interdisciplinar.
Para o precursor Vannevar Bush ("As we may Think",
1945), a idéia central é que a mente humana trabalha por associações. O
hipertexto possibilita associações entre vários tópicos de informação de acordo
com o ritmo natural do pensamento humano, ou seja, as leis da mente:
associações por contigüidade e similaridade. A conectividade é a característica
essencial do hipertexto que, através de blocos de textos e imagens
interligados, estimula o encadeamento de idéias e contextos. Como observam
Landow & Delany (1994), um pensamento complexo não pode ser expresso
satisfatoriamente por meio de estruturas proposicionais fechadas e lineares.
Entretanto, para Landow (1992), os conceitos de "texto
central" e "texto marginal" não combinam com a mobilidade dos
sistemas hipertextuais. Pode-se dizer que no hipertexto só temos textos
evanescentes, centralidade que se dissipa quando partimos para outros textos.
Francis Heylighen (1994) desenvolve o conceito de hipermídia
"distribuída" como síntese de três fatores: o documento é marcado por
referências cruzadas, os hotlinks; a
informação do documento pode advir de qualquer mídia; e acrescenta a
distributividade, já que esse documento pode estar em várias partes do mundo.
Roger Laufer e Domenico Scavetta (1995) observam que o hipertexto
ajuda a detectar novas formas de representação do mundo, dos saberes em
ambientes videográficos que permitem abandonar a linearidade das formas, de
representação textual, em prol de um modo de escolha da informação mais
dialógico, um modo não-linear.
J. L. Weissberg (1998) apresenta a interatividade como um conceito
produtivo nas relações com a simulação da presença humana, que compreendem as
dimensões da linguagem verbal e da corporal. Em segundo lugar, levando-se em conta
o caráter educativo da interatividade, esta consiste em favorecer o
"tornar-se autor", pois redistribui as noções de mensagem e recepção,
que transformam as funções das posturas leitoras trocando-as por novas
dimensões editoriais, renovando assim as separações fundadas sobre cultura do
livro. Em terceiro lugar, o relato interativo - com a presença do leitor-ator (spect-acteur), lei(a)tor, que, junto com
a programa na relação autor-leitor, tornar-se-á uma ficção que rompe com o
relato realista.
Para Weissberg, a interatividade é criticada como uma ilusão de
reciprocidade. Esta noção é percebida como incitação/valorização da
"atividade" em detrimento da "passividade"; assim, a
dimensão gestual da postura interativa aparece como sinônimo de domínio (técnico)
que permite fundar a antinomia gestual/suspensão possível da significação. As
obras interativas vêm confirmar, por diversas vias, que podem provocar (como
também nas obras clássicas) "uma catástrofe de sentido’ (Marc Le Bot,
1986).
Por outro lado, a abertura limitada, móvel, mas também
constrangedora, da "interatividade de comando" coloca o spect-acteur numa gaiola de ouro.
A interatividade aparece como uma nova condição da recepção para
interpretá-la, como índice de um desejo coletivo de suavizar os limites
impostos tanto do ponto de vista da concepção como da recepção.
Para além de simular as competências lingüísticas e
comportamentais humanas, é necessário apreender a interatividade como categoria
da comunicação, ou seja, um modo singular, de comércio entre subjetividades,
obedecendo a constrangimentos particulares, onde sua
"programaticidade" no sentido informático é certamente a principal
condição. Todavia, a interatividade é considerada, ao mesmo tempo, como
auto-comunicação (mensagem, história, relato endereçado a si mesmo), e como
meta-comunicação: atualização dos programas concebidos por outros para se
fabricar os próprios programas de escrita, espaços cenográficos, circulação de
narrativas e de acesso aos bancos de dados.
Para além da ilusão, a possível simulação mimética do sujeito
humano, o "outro", numa situação interativa, é sempre um horizonte,
uma referência; não uma presença susceptível de ser duplicada e idêntica. É
mais uma perspectiva complementária; a interatividade constrói, pois, seu spect-acteur como, de resto, qualquer
outro meio.
O autor e
seu leitor interativo
Para Landow (1992), a hipermídia representa o fim da era de
autoria individual. O autor é reconfigurado, pois sofre uma erosão, devido à
transferência de poder para o leitor, que tem, à disposição, uma série de
opções de escolha em seu percurso. Essa dissolução dos papéis do autor e do
leitor é caracterizada por Joyce (1995): "Os textos eletrônicos se
apresentam por intermédio de suas dissoluções. Eles são lidos, onde são
escritos e são escritos ao serem lidos".
Quéau (1993) observa: "novas formas de navegação mental serão
necessárias para se reencontrar nos labirintos informacionais em constante
regeneração". No hipertexto, o leitor é também um pouco escritor, pois, ao
navegar pelo sistema, vai estabelecendo elos e delineando um tipo de leitura.
O principal problema da leitura, agora transferido para as
questões da interatividade, é o da qualidade da resposta, qualidade da
significação, ou seja, qualidade do interpretante. É aqui que reside o nó da
questão, pois todo leitor escolhe e é escolhido. Neste sentido, o leitor
interativo deve escolher as melhores opções que lhe convêm para se manifestar,
como leitor criativo ou não. Conforme com Goethe quando diz que "há três classes
de leitores: o primeiro, que goza sem julgamento, o terceiro julga sem gozar e
o intermédio, que julga gozando ou goza julgando: é o que propriamente recria
uma obra de arte".
É exatamente o que propõe Popper (1993): duas são as condições que
devem acontecer para que se realize a integração do indivíduo, ou do grupo, no
processo criativo: a "inventividade" e a "responsabilidade
artística", ou seja, a capacidade e o desempenho no processo criativo.
Neste sentido, o uso da interatividade no fenômeno artístico deverá ter em
conta a distinção, entre a estrutura da obra de arte e o processo criativo que
a engendrou (a poética), e ainda a relação entre espectador e obra de arte
(estética).
Para Weissberg, conduzir a passagem para a escrita é uma das missões
essenciais da educação. Tornar-se, portanto, autor-escritor, é "utopia
democrática" atrelada à interatividade no contexto da hipermediação, que
faz emergir novas práticas de expressão/recepção.
As noções de co-autor, ou de co-produtor, parecem, pois, muito
imprecisas; referem-se não só à colaboração de vários autores, do mesmo
estatuto, como em uma produção audiovisual, por exemplo. Entre escrita
(produção de sentido) e leitura (apropriação de sentido) há diferenças, pois
ler é reescrever para si o texto, e escrever é o encadeamento de leituras.
Entretanto, a navegação interativa não é, ainda, uma escrita, já
que toda a leitura é uma reescrita interna do texto lido. Leitura e escrita,
mesmo em suportes estáveis, não podem ser isoladas uma da outra, pois entre a
apreensão do sentido e a criação, na escrita, interpõem-se a capacidade e a
competência com a linguagem.
Pierre Lévy encontra grandes obras anônimas sem autor, já que esta
figura emerge de uma ecologia das mídias e de uma configuração econômica,
jurídica, ideológica e social bem particular. Não é, portanto, surpreendente
que a relação autoral possa passar para um segundo plano quando o sistema de
relações sociais e comunicacionais se transforma, desestabilizando o terreno
cultural que viu crescer a importância do autor. A proeminência do autor não
condiciona nem o alastramento da cultura nem a atividade artística. Para este
autor, os mitos, ritos e formas culturais tradicionais são imemoriais, e a
estes não se associam nenhuma assinatura, a não ser a de um autor mítico.
É Antonio Risério, no entanto, que problematiza a figura do autor.
Partindo da distinção barthesiana entre "escritor" e
"escrevente", Risério desorganiza o coro dos contentes e partidários
da dissolução de autor. O Autor existe, diz ele. Sempre. Mesmo as criações
coletivas são feitas por criadores individuais, conhecidos ou não. Trata-se,
portanto, da "função-autor". O autor é aquele que se fecha no
"como escrever", confundindo seu ser com o ser da palavra, perdendo
"sua própria estrutura e a do mundo na estrutura da palavra" e se
realizando na palavra; como esperar que ele venha a se reduzir ao
"anonimato de um murmúrio"? Aquele que faz da linguagem uma praxis
não tem poder para renunciar à sua marca, nem será abolido por simples anseios
ou patrulhamentos ideológicos. Seria preciso emudecer (diz Risério), à maneira
de Rimbaud. Quem se reduz ao "anonimato de um murmúrio" é, por
definição, o "escrevente".
Em pleno cyberspace,
todo mundo é autor, ninguém é autor, todos somos produtores-consumidores; ou
seja, está indo solenemente por água abaixo a velha e renitente distinção entre
quem faz e quem frui. Na chamada "textualidade interativa", o que é
operativo é a poética da obra aberta em campo eletrônico digital. Para Risério,
o que está em questão é todo o eixo autor-obra-receptor, não a dissolução do
"autor". O autor providencia o espaço, a cartografia, mas cabe ao
usuário traçar o seu percurso. Nada autoriza a dizer (parodiando Mc-Luhan) que,
assim como Gutemberg nos transformou a todos em leitores e a fotocopiadora nos
converteu em editores, o computador pessoal está fazendo com que todos sejamos
autores.
Alterar textos, diagramá-los ou os rediagramar, realizar operações
de corte e montagem, executar scripts,
etc., não faz de ninguém um autor, no sentido genuíno da expressão. A chamada
"dissolução do autor" só vai se consumar fora da esfera estética, ou
seja, nos grandes sistemas hipertextuais, extra-estéticos, que atuam na chamada
"função referencial" da linguagem e que produzem montanhas de
mensagens semânticas. Acontece que este é o mundo dos "escreventes".
O que está em questão, entendemos, é uma "ideologia da
leitura" já colocada em crise no Finnegans Wake de Joyce. Esta obra deve
ser lida como se estivéssemos consultando o I Ching, pois a intertextualidade,
se levada às últimas conseqüências, arrasta não só a desintegração do narrativo
como também a do discurso. O significante abre brechas por onde se esvai o
sentido monológico e uma unidade estética autoral. É o que se verifica em
certos textos-limites das vanguardas do século XX, desde o Finnegans Wake até
os cut-up de William Burroughs.
Para Couchot (1997), a obra não é mais o fruto apenas do artista,
mas se produz no decorrer do diálogo, quase instantâneo, em tempo real. Num diálogo
entre modalidades de linguagem visual, sonora, gestual, táctil, escrita, o
leitor não está mais reduzido ao olhar, ele adquire a possibilidade de agir
sobre a obra e de modificá-la, de "aumentar" e, logo, tornar-se
co-autor, pois o significado da palavra autor (o primeiro sentido de augere) é acrescer, nos limites impostos
pelo programa. Assim, o autor delega ao fruidor uma parte de sua autoridade,
responsabilidade e capacidade para fazer crescer a obra.
A questão autoral é vista por Couchot (1997) da seguinte forma:
num processo dialógico ou de troca interativa, o estatuto da obra, do autor e
do espectador sofrem fortes alterações. Na metáfora geométrica ou no triângulo
delimitado pela obra, o autor e o espectador vêem a sua geometria questionada,
pois esse triângulo pode se tornar um círculo onde os três elementos não ocupam
posições definidas e estanques, mas trocam constantemente estas posições,
cruzam-se, opõem-se e se contaminam.
Pier Luigi Capucci (1997) observa que a obra de arte interativa transforma-se
em evento ou processo, que possui um código gerativo facilmente compartilhável
que repropõe uma "esteticidade difusa". A questão é política. A arte
interativa é excêntrica, pouco segura e escapa ao controle social e à
autoridade do sistema da arte, pois este tipo de obra não encerra uma
"versão oficial", produto que é da recepção lúdica, em nível
sensório-motor.
Couchot, ao levar em conta a metáfora baudelairiana "O
público é, comparado ao gênio, um relógio que atrasa", diz que a nova
economia simbólica reduz inexoravelmente o afastamento que separavam o público
e o criador de seu papel antecipador. Assim, o artista e o público estão, de
agora em diante, intimados a ler a hora no mesmo relógio de pêndulo",
homogeneizados pelo denominador comum. Todavia, o estatuto da obra, do autor e
do espectador sofre fortes alterações, trocando e invertendo constantemente
tais posições, cruzam-se, confundem-se e se contaminam.
Os problemas gerados pelo diálogo interativo e as relações entre
autor-leitor não são novos, pois o tema da "dissolução dos autores"
tem um nome: intertextualidade; "tudo circula".
Eis, pois, a partir de agora, a inadequação dos próprios termos, o
que obriga a repensá-los juntamente com suas relações contíguas e oscilantes.
Trata-se de uma luta entre singularidades: a do autor e a do receptor. Há que
se considerar também a "congenialidade" entre leitor e autor.
Contudo, há também opções: "Sempre me coloquei contra esta
idéia de participação do espectador na obra de arte. À época neoconcreta, o
conceito de participação era o de dar possibilidade ao espectador de intervir
na obra, recriando-a. Acho que esta participação, por si só, não qualifica
nenhuma obra" (Amilcar de Castro –1983). E Arnaldo Jabor (2.000): "A
interatividade é uma falsificação da liberdade, já que transgride meu direito
de nada querer. Eu não quero nada. Não quero comprar nada, não quero saber
nada…".
Parafraseando Arnheim (1980), a criação da arte não pode ser
eficaz se não se tem uma idéia correta de para que serve a arte e sobre o que
versa. Para responder a esta questão,
devemos levar em conta que as várias "esferas" (Srour 1978) que se
articulam na dimensão cultural ou "universo
simbólico estruturado" são a matéria-prima das práticas culturais, são
abstrações e não o próprio real na sua concretude. Desta forma, a "esfera ideológica" como campo
nuclear da cultura (sistemas de representações, valores e crenças), a "esfera cognitiva" (como sistema de
conhecimentos científicos), a "esfera
artística" (como forma multifacetal e contraditória de apropriação
"sensível" do real) e a "esfera
técnica" (modos de proceder das várias práticas) interagem e se
recobrem. Sob este aspecto, a "esfera artística" multifacética
apropria-se e interage, contraditória e não antagonicamente, com o resto das
"esferas".
É o que se apresenta como problemática da interatividade artística
e transcultural, como abertura de terceiro grau.
Julio
Plaza é
artista multimedia e teórico da arte-tecnologia. É professor (Titular
aposentado) da pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo. Autor, entre outros livros, de: Videografia em Videotexto, SP,
Hucitec, 1986; Tradução Intersemiótica, São Paulo, Perspectiva, 1997; Processos
Criativos com os meios Eletrônicos: Poéticas Digitais, SP, Hucitec, 1998 (em
colaboração com Monica Tavares).
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